quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Livro Sem Palavras

O Livro Sem Palavras (sermão inédito de C.H.Spurgeon, clássico)




Nº 3278
Sermão pregado na noite de quinta-feira, 11 de Janeiro de 1866
Por Charles Haddon Spurgeon
No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.
E publicado na quinta-feira de 30 de novembro de 1911



"Lava-me, e ficarei mais branco do que a neve.” Salmo 51:7


Atrevo-me a dizer que a maioria de vocês já tomou conhecimento de um livreto que um velho teólogo sempre usava para estudar, e quando seus amigos se perguntaram sobre qual era o conteúdo do mesmo, ele lhes disse que esperava que todos o conhecessem e o entendessem, mas que não continha nem uma só palavra. Quando o revisaram, descobriram que só constava de três páginas: a primeira, que era negra, a segunda, que era vermelha, e a terceira que era completamente branca. O velho ministro sempre contemplava fixamente a folha negra para lembrar a si mesmo sua condição pecadora por natureza. Depois, contemplava a folha vermelha para trazer à memória o sangue precioso de Cristo. E depois olhava a folha branca que representava a perfeita justiça que Deus deu aos crentes, mediante o sacrifício expiatório de Seu filho Jesus Cristo.

Queridos amigos, quero que vocês leiam esse livro essa noite, e eu mesmo desejo lê-lo também. Que Deus o Espírito Santo, por misericórdia, nos ajude a fazê-lo para nosso proveito!

I. Primeiro, COMTEMPLEMOS A FOLHA NEGRA.

Há algo sobre isso no texto, pois a pessoa que usou essa oração disse: “Lava-me” – então, estava negro, e necessitava de limpeza – e a negrura era de um tipo peculiar, que necessitava de um milagre para ser limpa, de forma que se alguém que tinha estado negro se voltasse branco, o fosse de tal maneira que ficasse “Mais branco que a neve”.

Se considerarmos o caso de Davi, quando escreveu esse Salmo, veremos que estava muito enegrecido. Tinha cometido o horrível pecado de adultério, que é um pecado tão vergonhoso que só podemos nos referir a ele contendo a respiração. É um pecado que envolve muita infelicidade para outras pessoas, além também das que o comentem. É um pecado que, ainda que os culpados se arrependam, não se pode reverter. É um crime sobremaneira repugnante e atroz contra Deus e contra o homem, e aqueles que o tem cometido, verdadeiramente precisam ser lavados.

Porem, o pecado de Davi era ainda muito mais grave devido ás circunstâncias nas que ele se encontrava. Ele era como o proprietário de um grande rebanho, que não tinha nenhuma necessidade de tomar a única cordeirinha de seu vizinho, já que tinha muitas ovelhas. Em seu caso, o pecado era completamente inescusável, pois Davi sabia muito bem qual grande era esse mal. Ele era um homem que tinha se deleitado na lei de Deus, e meditava nela dia e noite. Portanto, conhecia o mandamento que expressamente proibia esse pecado. Assim que, quando pecou dessa forma, pecou como quem toma um gole de veneno, não por erro, mas sabendo muito bem quais seriam as consequências ao bebê-lo. Tratava-se de uma maldade intencionada por parte de Davi, para a qual não podia ter nem o mais mínimo atenuante.

Há, todavia, algo pior – Davi não só conhecia a natureza do pecado, também conhecia a doçura da comunhão com Deus, e deve de ter tido um claro sentido do que significaria para ele perdê-la. Sua comunhão com o Altíssimo tinha sido tão estreita, que ele era chamado “Um varão conforme o próprio coração de Deus”. Como cantou docemente de seu deleite no Senhor! Vocês sabem que, em seus momentos mais felizes, quando vocês querem louvar ao Senhor com todos seus corações, não podem usar melhores expressões do que as que Davi lhes deixou em seus Salmos. Quão horrível é que o homem que esteve no terceiro céu da comunhão com Deus, tenha pecado dessa forma tão detestável.

Mais ainda, Davi tinha recebido das mãos do Senhor muitas misericórdias providenciais. Não era mais que um pastorzinho que alimentava o rebanho de seu pai, como quando Deus o tomou e o fez rei sobre Israel. O Senhor também o livrou das garras do leão e do urso – capacitou-lhe para vencer e matar o gigante Golias, e para escapar da maldade de Saul, quando esse lhe caçava como a uma perdiz nos montes. O Senhor o preservou de muitos perigos e, ao fim o estabeleceu firme no trono. No entanto, depois dessas libertações e misericórdias, esse homem tão grandemente favorecido pelo Senhor caiu nesse tão vil pecado.

Também  constituía um agravo adicional que o pecado de Davi fosse cometido contra Urias. Se vocês lerem a lista dos valentes de Davi[1] encontrarão ao fim, o nome de Urias, o heteu – ele esteve com Davi quando esse foi proscrito por Saul, e acompanhou a seu líder em suas fugas, participou em seus perigos e privações. Assim que, foi uma vergonhosa retribuição da parte do rei que roubasse a esposa de seu fiel seguidor, que estava naquele preciso momento, combatendo contra os inimigos do rei. Pesquisando ao longo de toda a Escritura, ou pelo menos em todo o Antigo Testamento, não sei onde exista algum registro de um pior pecado cometido por alguém que foi, não obstante, um verdadeiro filho de Deus. Assim, Davi tinha uma boa razão para implorar ao Senhor “lava-me”, pois de verdade estava negro com uma negrura especial e peculiar.

Porem, agora, deixemos Davi, e consideremos nossa própria negridão aos olhos de Deus. Será que não existe, meu querido amigo, alguma negridão peculiar em torno de seu caso como pecador diante de Deus? Eu poderia esboçar essa negrura, mas eu lhe peço que a relembre agora para que sua alma possa ser humilhada devido à lembrança. Talvez você seja filho de pais cristão, ou tenha sido alvo de jovens impressões religiosas, ou, quem sabe, que tenha sido favorecido especialmente por Deus de outras formas. No entanto, pecou contra Ele, tem pecado contra a luz e o conhecimento, pecou contra as lágrimas de uma mãe e as orações de um pai; pecou contras as admoestações e advertências de um pastor. Uma vez, esteve muito doente, e pensou que ia morrer, mas o Senhor perdoou sua vida, e lhe restaurou a saúde e o vigor – porem, você voltou outra vez para seus pecados, como o cão volta a seu vômito, ou a porca lavada a revolver-se em seu lamaçal. Possivelmente, se alarmou com um súbito sentido de culpa, de tal maneira que não pode desfrutar de seus pecados, mas, no entanto, não pode romper com eles. Gastou seu dinheiro naquilo que não era pão, e gastou seu esforço no que não lhe satisfaz, e, ainda assim, prosseguiu desperdiçando seu dinheiro em uma vida desenfreada até chegar à mendicância; porem, mesmo nessa condição, não detestou seu pecado. Na casa de Deus, recebeu muitas solenes advertências, e uma e outra vez regressou para casa resoluto a arrepender-se, mas suas resoluções logo se desvaneceram, assim como a névoa da manhã e o orvalho da alva, deixando-lhe mais endurecido que nunca

Eu me lembro de John B. Gough[2], em Exerter Hall[3], descrevendo-se em seus dias de embriaguez, como montou num cavalo selvagem que o levava apressadamente a sua destruição, até que uma mão mais poderosa que a sua tomou as rédeas, fez o cavalo se assentar sobre suas ancas, e resgatou o temerário cavalheiro. Era um quadro terrível, mas era uma representação fiel da conversão de alguns de nós. Como espancávamos esse selvagem cavalo, e o colocávamos a uma maior velocidade em sua louca corrida até que parecesse como se fossemos cavalgar por cima desse Ser clemente que tinha resolvido nos salvar! Isso era pecado, em verdade, não só contra os ditados de uma consciência iluminada, e contra as advertências que nos eram dadas de contínuo, mas antes, era o que o apóstolo chama de “pisotear ao filho de Deus, considerar o sangue do pacto como uma coisa profana, e desprezar ao Espírito de graça.”

Irmãos, antes que passem dessa página negra, permita-me exortá-los que a estudem diligentemente, e que tratem de compreender a negridão de seus corações e a depravação de suas vidas. Essa falsa paz que vem de considerar ligeiramente o pecado, é a obra de Satanás – desfaçam dela já, se ela infundiu-se em vocês. Não tenham medo de olhar para seus pecados – não fechem seus olhos ante eles, pois ocultar seus rostos para não vê-los poderia ser sua ruína, mas Deus ocultando Sua face deles, será sua salvação. Olhem para seus pecados e meditem neles, até que os conduzam até mesmo ao desespero.

“Como?” dizem alguns, “até que me conduzam a desesperar?” Sim – eu não me refiro a essa desesperação que brota da incredulidade, mas sim a essa que é quase semelhante à confiança em Cristo. Quanto mais Deus os capacite para ver o vazio de vocês, mais ávidos estarão de se valerem da plenitude de Cristo. Eu sempre comprovei que, conforme cresceu minha confiança em mim mesmo, minha confiança em Cristo diminuiu – e conforme minha confiança em mim mesmo diminuiu, minha confiança em Cristo aumentou. Então, eu exorto-lhes a que tenham uma visão honesta de sua própria escuridão de coração e de suas vidas, pois isso lhes fará que orem com Davi: “Lava-me, e serei mais branco que a neve.” Pesem-se nas balanças do santuário que nunca erram nem no mais mínimo grau. Não precisam exagerar nem um só elemento de suas culpas, pois tal como são, encontrarão mais pecado dentro de vocês se o Espírito Santo os capacite para se verem como vocês são realmente.

II. Porem, agora, temos de passar para segunda folha, A FOLHA DE COR VERMELHA-SANGUE DO LIVRO SEM PALAVRAS, que traz as nossas lembranças ao precioso sangue de Cristo.

Quando o pecador clama “Lava-me”, tem que existir alguma fonte de limpeza aonde possa ser lavado e ficar “mais branco que a neve.” E sim, existe, mas é somente o sangue carmesim de Jesus o que pode lavar a mancha carmesim do pecado. O que é o que existe sobre Jesus que o faz capaz de salvar a todos os que vêm a Deus por Ele? Esse é um assunto sobre o que os cristãos precisam meditar muito, e devem fazê-lo com frequência.

Tratem de entender, queridos amigos, a grandeza da expiação. Vivam muito tempo debaixo da sombra da cruz. Aprendam a –

“Contemplar o fluir
Do precioso sangue do Salvador,
Sabendo pela divina certeza
Que Ele tem feito sua paz com Deus.”

Sintam que o sangue de Cristo foi derramado por vocês, inclusive por vocês. Não estejam jamais satisfeitos até que aprendam o mistério das cinco chagas – jamais estejam contentes enquanto não “poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento .(Efésios 3:18)

O poder de Jesus Cristo para limpar do pecado reside primeiro, na grandeza de Sua pessoa. Não é concebível que os sofrimentos de um simples homem, não importando qual santo ou grande poderá ter sido, expiasse os pecados da multidão inteira do povo escolhido do Senhor. Foi devido a que Jesus Cristo era uma das pessoas da Divina Trindade, devido que o Filho de Maria era nada menos que o Filho de Deus, devido que Aquele que viveu, trabalhou, sofreu e morreu, era o grandioso Criador, sem quem nada do que foi criado, foi feito, que Seu sangue tem tal eficácia que pode lavar e deixar tão limpos aos mais negros pecados, quem ficam “mais brancos que a neve.” A morte do melhor homem que tenha existido jamais poderia fazer uma expiação sequer por seus próprios pecados, muito menos poderia expiar a culpa de outros – mas quando Deus mesmo “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; (Filipense 2:7)” e “achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.(v.8) ”, Não se pode colocar nenhum limite ao valor da expiação realizada por Ele.

Nós sustentamos firmemente a doutrina da redenção particular: que Cristo amou a Igreja, e se entregou a si mesmo por ela; mas nós não sustentamos a doutrina do valor ilimitado de Seu precioso sangue. Não pode haver nenhum limite para a Deidade; tem que existir um valor infinito na expiação que foi oferecida por Aquele que é divino. O único limite da expiação está em seu desígnio, e esse desígnio foi que Cristo desse a vida a todos quantos lhe foram dados pelo Pai; porem, em si mesma, a expiação seria suficiente para a salvação do mundo inteiro, e se a raça inteira da humanidade fora conduzida a crer em Jesus, haveria suficiente eficácia em Seu sangue precioso para limpar todo aquele nascido de mulher, de todo pecado que todo o conjunto deles jamais houvesse cometido.

Mas o poder do sangue limpador de Jesus radica também nos intensos sofrimentos que suportou a fazer expiação por Seu povo. Não houve jamais um caso como o do nosso precioso Salvador. No que consiste a Seus sofrimentos físicos, pode ter existido alguns que tenham suportado tanto como Ele, pois o corpo humano só é capaz de certa quantidade de dor e agonia, e outras pessoas junto com nosso Senhor alcançaram esse limite – porem, houve um elemento em Seus sofrimentos que nunca esteve presente em nenhum outro caso. O fato de que Sua morte foi no lugar, posição e em substituição de Seu povo, o único grande sacrifício pela totalidade de Seus redimidos, faz que Sua morte seja inteiramente única, de tal maneira que nem mesmo o mais nobre do exército de mártires pode participar da glória com Ele. Seus sofrimentos mentais também constituíram uma parte vital da expiação: os sofrimentos de Sua alma foram a essência mesma de Seus sofrimentos. Se você pode compreender a amargura da traição que Ele sofreu por um que tinha sido seu seguidor e amigo, e o abandono que experimentou por parte de todos os Seus discípulos, a acusação formal de sedição e blasfêmia diante das criaturas que Ele mesmo tinha criado – se puderem compreender o que foi para Ele, que não cometeu pecado, ser feito pecado por nós, e que fosse colocada sobre Ele a iniquidade de todos nós – se pudessem ter uma ideia de quanto aborrecia o pecado e se apartava dele, poderiam formar uma ligeira ideia do que Sua natureza pura sofreu por nossa culpa.

Nós não nos apartamos do pecado como Cristo o fazia, porque estamos acostumados a ele - uma vez foi o elemento no qual vivíamos, movíamos e existíamos – mas Sua natureza santa rejeita o mal assim como uma planta sensível se recolhe quando é tocada. Porem, Seus piores sofrimentos devem ter sido quando a ira de Seu Pai foi derramada sobre Ele, ao suportar o que Seu povo merecia suportar, mas agora jamais terá que suportar –

“As ondas da crescente dor
Batem contra Seu peito,
Montanhas de ira onipotente
Pesavam sobre Sua alma”[4]

O fato que Seu Pai tenha escondido Seu rosto Dele te tal forma que clamasse em Sua agonia: “Deus meu, Deus meu, por quê me desamparaste?”, deve ter sido um autêntico inferno para Ele. Esse foi o tremendo gole de ira que nosso Salvador bebeu por nós até suas ultimas gotas, para que nosso copo não pudesse jamais ter nem um restinho de ira sequer sobrando. Deve de ter sido uma grande expiação, essa que foi comprada a um preço tão grande.

Podemos pensar na grandeza da expiação de Cristo de outra forma. Tem que ter sido uma grande expiação essa que tem transportado de forma segura a multidões de pecadores ao céu, e que tem salvado a tantos grandes pecadores e os tem transformado em refulgentes santos. Tem que ser uma grande expiação essa que há de levar ainda inumeráveis miríades à unidade da fé e a glória da igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céu.

É uma expiação tão grande, pecador, que, se você confia nela, será salvo por ela sem importar quantos e quão graves poderiam ter sido seus pecados. Você tem medo de que o sangue de Cristo não seja potente o suficiente para limpar-lhe? Por acaso teme que Sua expiação não possa suportar o peso de um pecador como você?

Fiquei sabendo, outro dia, sobre uma mulher néscia de Plymouth, que durante um bom tempo não queria passar sobre a ponte de Saltash[5] porque não a considerava segura. Quando, depois de ver o enorme tráfego que passava com segurança sobre a ponte, foi induzida a ter confiança nela, tremia muito por todo o tempo em que passava sobre nela, e não teve tranquilidade mental até que a deixou para trás. Claro que todo mundo riu dessa mulher, por pensar que essa estrutura tão sólida não pudesse suportar seu levíssimo peso.

Poderia ser que exista hoje nesse prédio algum pecador que tenha medo de que a grande ponte que a eterna misericórdia construiu a um custo infinito, através do abismo que nos separa de Deus, não seja suficientemente forte para suportar seu peso. Se for assim, permita-me lhe assegurar que através dessa ponte do sacrifício expiatório de Cristo, já cruzaram milhões de pecadores tão vís e corruptos como esse tal, e a ponte nem mesmo trepidou sob tal peso, e nenhuma de suas partes ao menos trincou ou jamais descolou.

Meu pobre amigo temeroso, sua ansiedade de que a grande ponte da misericórdia não seja capaz de suportar seu peso, me faz lembrar a fábula do pernilongo que pousou sobre a orelha de um touro, e depois estava preocupado porque o forte animal poderia se incomodar com seu “enorme” peso. É bom que você tenha uma vivida compreensão do peso de seus pecados, mas ao mesmo tempo, deve também entender que Jesus Cristo, em virtude de Sua grande expiação, não só é capaz de suportar o peso de seus pecados, mas também pode levar, e verdadeiramente já levou sobre seus ombros, os pecados de todos os que crerão Nele até o próprio fim dos tempos: levou-os à terra do esquecimento, onde jamais serão recordados ou recuperados. O sangue do pacto eterno é tão eficiente que mesmo você, assim sujo como está, pode orar como Davi: “Lava-me, e serei mais branco que a neve.”

III. Isso me leva a PÁGINA BRANCA DO LIVRO SEM PALAVRAS, que está tão repleta de instrução como as folhas preta e vermelha: “Lava-me, e serei mais branco que a neve.”

Que lindo espetáculo foi nessa manhã, quando olhamos para fora, e vimos o terreno todo coberto de neve! Todas as árvores estavam vestidas de prata; no entanto, é quase um insulto para a neve compará-la com a prata, pois a prata em seu nível mais brilhante não é digna de ser comparada com o maravilhoso esplendor que se podia ver em qualquer lugar em que as árvores pareciam adornadas com formosos festões, sobre a terra que estava vestida de seu puro manto branco. Se tivéssemos tomado um pedaço daquilo que chamamos de “papel branco” e o colocássemos sobre a superfície da neve recém caída, se teria descoberto repleto de sujeira ao comparar a folha com a neve imaculada. A cena dessa manhã trás imediatamente a minha mente o texto: “Lava-me, e serei mais branco que a neve.”

Oh, negro pecador, se você crê em Jesus, não só será limpo em Seu sangue precioso até converter-se em algo toleravelmente limpo, mas sim ficará branco, sim, você será: “mais branco que a neve.”

Quando contemplamos o puro branco da neve antes que fique suja, pareceu-nos como se não pudesse existir nada mais branco. Eu sei que quando estive nos Alpes, contemplei durante horas a deslumbrante branquidão da neve, e quase fui cegado por ela. Se a neve ficasse largo tempo sobre o terreno, e se toda a terra fosse coberta dela, prontamente todos nós ficaríamos cegos. Os olhos do homem sofreram também com sua alma através do pecado, e tal como nossa alma seria incapaz de suportar uma visão da pureza de Deus ao descoberto, assim nossos olhos não poderiam suportar contemplar a poderosa pureza da neve. No entanto, o pecador, negro por causa do pecado, ao ser lavado sob o poder limpador do sangue de Jesus, se volta “mais branco que a neve.”

Agora, como pode um pecador ser lavado para ficar “mais branco que a neve?” Bem, antes que nada, há uma durabilidade na brancura de um pecador lavado com sangue que não existe quanto à neve. Muito da neve que caiu essa manhã não tinha nada de branca à tarde. Lá onde a neve havia começado a derreter, se mostrava amarela, mesmos nos lugares onde nenhum pé de homem a tinha pisado – e, quanto à neve das ruas de Londres, vocês sabem como rapidamente sua brancura some. Porem, não existe temor de que a brancura que Deus dá a um pecador algum dia desapareça dele – o vestido da justiça de Cristo que é colocado sobre ele, é permanentemente branco –

“Essa veste sem mancha se vê igual,
Quando a natureza deteriorada de anos se acumula;
Nenhuma idade pode mudar sua gloriosa tonalidade;
O manto de Cristo é sempre novo”


Sempre é “mais branco que a neve.” Alguns de vocês precisam viver em Londres, um lugar esfumaçado e sujo, mas a fumaça e a sujeira não podem desbotar o vestido imaculado da justiça de Cristo. Vocês mesmos estão manchados pelo pecado – porem, quando estão vestidos com a justiça de Cristo diante de Deus, as manchas do pecado desaparecem. Davi, em si mesmo, estava negro e sujo quando fez a oração de nosso texto, porem, vestido na justiça de Cristo, estava branco e limpo. O crente em Cristo é tão puro aos olhos de Deus na mesma hora, como também o é em outra. O Senhor não olha a pureza variável de nossa santificação como nossa base de aceitação com Ele; antes, olha a pureza imutável e incomparável da pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo, e nos aceita em Cristo, e não pelo que somos em nós mesmos. Por essa razão, uma vez que somos aceitos Nele, somos “mais branco que a neve.”

Mais ainda, o branco da neve é, depois de tudo, só um branco criado. É algo que Deus fez, mas não têm a pureza que pertence a Deus mesmo – porem, a justiça que Deus dá ao crente, é uma justiça divina, como diz Paulo: “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus. (2 Coríntios 5:21).” E lembrem que isso é certo no que toca ao próprio pecados, antes tão negro que tinha que clamar a Deus: “mais branco que a neve.”

Poderia existir uma pessoa que entrou nesse edifício, negra como a noite devido ao pecado – mas, se agora é capacitada pela graça a confiar em Jesus, Seu sangue precioso a limparia imediatamente, tão completamente, que seria “mais branco que a neve.” A justificação não é uma obra que avança de grau em grau – não progride de uma etapa para outra, antes, é uma obra de um momento, e é concluída instantaneamente. O grandioso dom de Deus da vida eterna é concedido em um instante, e você poderia ser incapaz mesmo de discernir o momento exato em que é concedido. No entanto, poderia saber mesmo isso, pois, tão logo como crê no Senhor Jesus Cristo, é nascido de Deus e passou da morte para vida – é salvo, e salvo por toda eternidade. O ato de fé é algo muito simples, porem é o ato que possa ser feito por um homem que mais glorifica a Deus. Ainda que não exista nenhum mérito na fé, a fé é uma graça sumamente enobrecedora, e Cristo dá-lhe uma alta honra quando diz: “Tua fé te salvou, vai em paz (Marcos 5:34).” Cristo coloca a coroa da salvação sobre a cabeça da fé – no entanto, a fé mesma nunca levará essa coroa, antes a coloca aos pés de Jesus, e dá a Ele toda honra e toda glória.

Poderia existir alguma pessoa nesse lugar que tenha medo de pensar que Cristo a salvará. Meu querido amigo, faz-lhe a meu Mestre a honra de crer que não existe profundidade de pecado no que poderia ter caído, que esteja alem do Seu alcance. Deves crer que não existe pecado que seja muito negro para que não possa ser limpo completamente pelo sangue precioso de Cristo, pois Ele há dito: “Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens” (Mateus 12:31) , e “todo pecado,” tem que incluir o teu. A própria grandeza da misericórdia de Deus é o que às vezes deixa um pecador perplexo.

Permita-me usar uma figura familiar para ilustrar o que quero dizer. Suponham que vocês estão sentados à mesa de sua casa, cortando um pedaço de carne para o jantar, e suponham que seu bicho de estimação está debaixo da mesa, esperando conseguir um osso ou um pedaço de cartilagem como sua porção. Agora, se vocês colocassem o prato com todo o pedaço de carne no chão, provavelmente o cãozinho teria medo de tocar nele, porque poderia receber um chute – ele saberia que um cachorro não merece uma comida como essa – e essa é justamente sua dificuldade, pobre pecador. Você sabe que não merece essa graça que Deus se deleita em dar-lhe. Porem, o fato de que seja de graça, deixa completamente de fora o tema do merecimento. “Pela graça sois salvos, por meio da fé: isso não vem de vós, é dom de Deus. (Efésios 2) ” Os dons de Deus são como Ele mesmo: imensurávelmente grandes.

Talvez alguns de vocês pensem que estariam contentes com migalhas ou ossos da mesa de Deus. Bem, se Ele me fosse dar umas quantas migalhas ou um punhado de carne, eu estaria agradecido, inclusive por isso, mas não me satisfaria – mas quando ele me diz: “Tu és meu filho. Eu te adotei e tens entrado em minha família, e já não sairás jamais fora,” eu não estou de acordo contigo em que seja bom demais para ser verdade. Poderia ser muito bom para você, mas não é demasiadamente bom para Deus – Ele dá como só Ele pode dar. Se eu tivesse uma grande necessidade, e conseguisse acesso a Rainha Vitória, e depois de expor meu caso a ela, me dissera: “Sinto um profundo interesse em seu caso – aqui tem um centavo para você,” eu estaria certo de que realmente não vi a Rainha, mas sim alguma donzela ou empregada de alguma dama que estava gozando de minha cara. Oh, não, a Rainha dá como uma rainha, e Deus dá como Deus! De tal forma que a grandeza de Seu dom, em vez de nos deixar atônitos, só deveria nos assegurar de que é genuíno, e que provêm de Deus.

Richard Baxter disse sabiamente: “O Senhor, têm que ser uma grande misericórdia ou nenhuma misericórdia, pois pouca misericórdia não me serve de nada!” Então, pecador, apele ao grande Deus com seu grande pecado e peça uma grande misericórdia para que sejas lavado na grande fonte cheia do sangue do grande sacrifício, e receberás uma grande salvação que Cristo obteve, e por isso atribuirás um grande louvor ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, por sempre e para sempre. Que Deus nos conceda que assim seja por Jesus Cristo nosso Senhor! Amén.



NOTAS:
ANEXO

O “Livro sem Palavras” foi apresentado pela primeira vez publicamente por Charles Haddon Spurgeon na data marcada no sermão.   Em 1880, pelo menos, o livro já estava sendo amplamente utilizado na evangelização dos orfanatos , escolas dominicais e em missões de trans-culturais.Diferentes versões surgiram quando D.L. Moody, que sempre foi muito influenciado pelo ministério de Spurgeon, adicionou uma outra cor: ouro (depois do branco) - que representa o Céu. Em 1875, Hudson Taylor e missionários da Missão Chinesa de Evangelização utilizaram a versão de quatro cores em pregações ao ar livre e evangelismo individual. 

Hoje, esse livreto é mundialmente utilizado por diversas associações e agências, especialmente na moderna evangelização de Crianças e deficientes. 

(FONTE: Wikipédia e Armando Marcos, editor)


[1] 1 Crônicas 11 : 41
[2] John B. Gough (1817-1886) nasceu em Folkestone, Kent, Inglaterra. Em 1842 ele participou de uma reunião de temperança, em Worcester, Massachusetts, onde ele tomou o compromisso de se abster totalmente de bebidas alcoólicas. Depois, tornou-se um grande orador contra os males da bebida em todo mundo. Cristão, foi amigo de Spurgeon, e dividiu o púlpito em Boston com D.L. Moody. (Fonte:http://www.biblebelievers.com/gough/gough_001.html)
[3] Exerter Hall era um salão público de Londres, muitas vezes usado por spurgeon antes da construção do Tabernáculo Metropolitano.
[4] Trecho do hino 2:84 de Hymns and Spiritual Songs, de Issac Watts (FONTE: Internet)
[5] Ponte de Saltash, hoje Royal Albert Bridge, é uma ponte sobre o rio Tamar, no Reino Unido ,entre Plymouth , em Devon , e Saltash, em Cornish . Foi projetada por Isambard Kingdom Brunel. Começou a ser levantada em 1848 e a construção iniciada em 1854. Foi inaugurada pelo príncipe Albert em 2 de maio de 1859. (FONTE: Wikipédia)

FONTE:
Traduzido do espanhol El libro em blanco, tradução de Allan Román, com autorização e permissão deste para o português para o Projeto Spurgeon , de http://www.spurgeon.com.mx/
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público
Sermão nº 3278—Volume 47 do Metropolitan Tabernacle Pulpit

Tradução: Armando Marcos Pinto

NO. 1850
Sermão pregado em 7 de Junho de 1885 por Charles Haddon Spurgeon
No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres


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"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna." João 3:16.(ACF)

Fiquei muito surpreso noutro dia quando, ao repassar a lista de textos sobre os quais preguei, descobri que não há nenhum rastro de já ter pregado em outra oportunidade acerca deste versículo. Isto chama muito a minha atenção, pois posso dizer verdadeiramente que este texto pode encabeçar todos os volumes dos meus sermões como o único tema tratado ao longo do meu ministério. O único trabalho da minha vida tem sido proclamar o amor de Deus pelos homens em Cristo Jesus.
Há pouco tempo atrás escutei um comentário sobre um ministro ancião, de quem se dizia: "Independentemente de qual tenha sido o texto, ele nunca deixava de pregar a Deus como amor, e a Cristo como a expiação pelo pecado."  Eu queria que pudessem dizer o mesmo de mim. O desejo do meu coração tem sido lançar ao vento, como se fosse uma trombeta, as boas novas de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."

 Em breve nos sentaremos ao redor da mesa da comunhão e não posso pregar acerca deste texto nada além de um simples sermão evangélico. Podem desejar uma preparação melhor para a comunhão? Temos comunhão com Deus e com nossos irmãos sobre a base do infinito amor que é manifestado em Jesus Cristo nosso Senhor. O Evangelho é a bela toalha de linho branco que cobre a mesa na qual se celebra a Festa da Comunhão.

 As verdades mais elevadas, que pertencem a uma experiência de maior luz, verdades mais ricas que apregoam a comunhão com a vida mais elevada: todas são de muita ajuda para a santa comunhão; porém, estou certo que não mais que essas verdades essenciais e fundamentais que foram os meio pelos quais entramos pela primeira vez no reino de Deus.

 Tanto os bebês em Cristo como os homens em Cristo se alimentam aqui com o mesmo alimento. Vamos, vocês que são santos entrados em anos, sejam crianças de novo; e vocês que conhecem o Senhor por um longo tempo, tomem seu primeiro abecedário, e repassem o ABC novamente, ao aprender que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho para que morrera, afim de que o homem pudesse viver por meio dEle. Não estou convido-lhes para uma lição elementar porque vocês esqueceram as primeiras letras, mas sim porque é uma boa coisa refrescar a memória, e é uma benção sentir-se jovem de novo. O que sempre se conheceu como o abecedário, não contém mais que letras; contudo todos os livros no nosso idioma se escrevem utilizando essa fileira de letras: por isso eu os convido a irem outra vez até a cruz, a irem a Ele que sangrou na cruz.

É bom que todos nós regressemos, ocasionalmente, ao nosso ponto de partida, de modo a nos assegurar que estamos indo bem pelo caminho eterno. É mais provável que o amor de nossos cônjuges continue se, uma e outra vez, retornamos ao ponto onde Deus começou conosco e onde nós começamos com Deus pela primeira vez. É bom que venhamos a Ele outra vez, como viemos naquele primeiro dia quando, desvalidos, necessitados, carregados, estivemos chorando ao pé da cruz, e deixamos nossa carga junto a Seus pés traspassados. Ali aprendemos a olhar, a viver e a amar; e ali queremos repetir a lição até que possamos nos apresentar de maneira perfeita na glória.

Hoje temos que falar acerca do amor de Deus: "Deus amou o mundo de tal maneira". Esse amor de Deus é uma coisa muito maravilhosa, especialmente quando o vemos derramado sobre um mundo perdido, arruinado, culpado. O que havia no mundo para que Deus o amasse dessa maneira? Não havia nada amável nele. Nenhuma flor perfumada crescia neste árido deserto. Inimizade contra Ele, ódio pela Sua verdade, desprezo pela Sua lei, rebelião contra Seus mandamentos; esses eram os espinhos e sarças que cobriam a terra baldia; nenhuma coisa desejável florescia ali.

Entretanto, o texto nos diz que: "Deus amou o mundo." O amou "de tal maneira" que nem mesmo o escritor do livro de João poderia quantificá-lo; mas o amou de uma maneira tão grande, tão divina, que deu o Seu Filho, Seu único Filho, para que redimisse o mundo de perecer, e para que juntasse do mundo um povo para Seu louvor.

De onde veio esse amor? Não de nada externo ao próprio Deus. O amor de Deus surge dEle mesmo. Ele ama porque fazê-lo é a Sua natureza. "Deus é amor". Conforme mencionei, nada sobre a face da terra pode ter merecido o Seu amor. Ao contrário, havia muito que merecia Seu desagrado. Esta corrente de amor flui de Sua própria fonte secreta na Deidade eterna, e não deve nada a nenhuma chuva procedente da terra, nem a nenhum riacho; brota de debaixo do trono eterno, e se abastece das fontes do infinito. Deus amou porque Ele quis amar. Quando nos perguntamos por que Deus amou esse ou aquele homem, temos que regressar à resposta de nosso Salvador a essa pergunta: "Sim, Pai, porque assim lhe agradou"

Deus tem tal amor em Sua natureza que precisa deixá-lo fluir em direção a um mundo que está perecendo por causa de seu próprio pecado voluntário. E quando fluiu era tão profundo, tão largo, tão forte, que nem sequer a inspiração podia calcular sua medida e, portanto, o Espírito Santo nos deu essas grandiosas palavras, DE TAL MANEIRA, deixando que intentemos medi-lo, conforme vamos percebendo mais e mais esse amor divino.

Agora, houve uma ocasião na qual o grandioso Deus quis manifestar Seu amor sem medida. O mundo tristemente havia se extraviado, havia perdido a si mesmo; o mundo foi julgado e condenado; foi entregue a perecer, por causa de suas ofensas; e tinha necessidade de ajuda. A queda de Adão e a destruição da humanidade abriram um amplo espaço, assim como suficiente margem para o amor Todo Poderoso. Em meio às ruínas da humanidade, tinha espaço para mostrar quanto Jeová amava os filhos dos homens; pois o alcance do Seu amor abarcava o mundo, o objeto desse amor era precisamente resgatar os homens para que não caíssem no abismo, e o resultado desse amor foi encontrar um resgate para eles.

O propósito específico desse amor era tanto negativo quanto positivo; era que, crendo em Jesus, os homens não perecessem, mas que alcançassem a vida eterna. A desesperada enfermidade do homem foi o motivo da introdução desse remédio divino que unicamente Deus poderia ter planejado e ministrado. Por meio do plano de misericórdia, e do grandioso dom que se requeria para levar a cabo esse plano, o Senhor encontrou o meio para manifestar seu amor sem limite aos homens culpados.

Se não houvesse existido nenhuma queda, e nenhuma morte, Deus poderia nos mostrar o Seu amor da mesma maneira que faz com os espíritos puros e perfeitos que rodeiam Seu trono. Entretanto, jamais poderia mostrar Seu amor a nós de tal maneira especial como agora o faz. Na dádiva de Seu Filho unigênito, Deus revela Seu amor para conosco, na medida em que, sendo nós ainda pecadores, a seu tempo morreu Cristo pelos ímpios.

O fundo negro do pecado faz ressaltar muito mais claramente o fulgor da linha do amor. Quando o relâmpago escreve com dedos de fogo o nome do Senhor na amplidão da escura face da tempestade, nos achamos forçados a vê-Lo; assim também o quando o amor inscreve a cruz sobre as negras tábuas de nosso pecado, ainda os olhos que não podem ver estão obrigados a ver que "Nisto consiste o amor."

Poderia tratar meu texto de mil maneiras diferentes no dia de hoje. Mas em favor da simplicidade, e para apegar-me ao único ponto de proclamar o amor de Deus, quero fazer-lhes ver quão grande é esse amor por meio de cinco considerações.



I. A primeira consideração é o DOM: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira,  que deu o Seu Filho unigênito." Os homens que amam muito estão prontos a dar muito, e usualmente podem medir a verdade deste amor através de seus sacrifícios e renúncias. Esse amor que não guarda nada para si, mas se esgota em ajudar e abençoar o seu objeto, e o verdadeiro amor, e não apenas um amor de nome. O pouco amor se esquece de trazer água para lavar os pés, mas o grande amor quebra o vaso de alabastro e derrama seu valioso perfume.


Então considerem qual foi o dom que Deus deu. Não poderia encontrar a expressão correta se tentasse explicar completamente o que é esta bênção que não tem preço; e não vou arriscar-me a fracassar ao tentar o impossível. Unicamente vou convidá-los a pensar na sagrada Pessoa que foi dada pelo Pai para demonstrar Seu amor para com os homens. Tratava-se do Seu unigênito Filho: Seu Filho amado, em quem tinha Sua complacência.


Nenhum de nós teve um filho assim para dá-lo. Nossos filhos são filhos de homens;
o dEle era Filho de Deus. O Pai deu parte de Si mesmo, Ele que era Um com Ele. Quando o grandioso Deus deu a Seu Filho estava dando a Si próprio, pois Jesus, em sua natureza eterna não é menos que Deus. Quando Deus deu a Deus por nossa causa, estava se dando a Si mesmo.  Quem pode medir este amor?


Vocês que são pais, julguem o quanto amam a seus filhos: poderiam entregá-los à morte por causa de seus inimigos? Vocês que têm um filho único, julguem quão entrelaçados estão seus corações ao seu primogênito, ao seu unigênito filho. Não houve uma maior prova do amor de Abraão a Deus do que quando não vacilou em entregar-Lhe seu filho, seu único filho, seu Isaque amado; e certamente não pode haver uma maior manifestação de amor que a do Eterno Pai, ao entregar o Seu unigênito Filho à morte por nós.


Nenhum ser vivente está disposto a perder a sua prole; o homem sofre uma dor muito aguda quando perde um filho. Acaso Deus não o sofre ainda mais? Há uma história muito popular relativa ao carinho de uns certos pais para com seus filhos. A história relata que houve fome na terra, no Leste, e que um pai e uma mãe se viram sem absolutamente nada para comer, e a única possibilidade de preservar a vida da família seria vender um dos filhos para que fosse escravo. Então os pais consideraram o assunto. O tormento de fome se tornou intolerável, e as súplicas de seus filhos pedindo pão puxavam dolorosamente as cordas de seus corações de tal maneira, que tiveram que retomar seriamente a idéia de vender a um deles, para salvar a vida de todos os demais. Tinham quatro filhos. Qual deles deveria ser vendido? Certamente não devia ser o maior: como poderiam desfazer-se de seu primogênito? O segundo, era tão parecido com seu pai que parecia uma miniatura dele, e a mãe disse que ela nunca se separaria dele. O terceiro era tão singularmente como sua mãe que o pai disse que preferiria morrer antes que este querido filho se convertesse em um escravo; e com relação ao quarto filho, ele era o Benjamim, seu caçula, seu amado filho, e não podiam separar-se dele. Finalmente concluíram que seria melhor morrerem todos juntos para não terem que separar-se voluntariamente de algum de seus filhos.


Vocês não simpatizam com esses pais? Vejo que simpatizam sim. Contudo, Deus nos amou de tal maneira que, para dizê-lo com muita ênfase, pareceria que nos amou mais que a Seu único Filho e não livrou a Ele, para perdoar-nos. Deus permitiu que entre todos os homens, Seu filho perecesse "para que todo aquele que nEle crê, não pereça, mas tenha vida eterna."


Se desejarem ver o amor de Deus neste grande procedimento, devem considerar como Ele deu a Seu Filho. Ele não entregou a Seu Filho, como tu poderias fazer, a alguma profissão que teria como consequência desfrutar de sua companhia; senão que mandou o Seu Filho ao exílio entre os homens. O enviou à terra naquele presépio, unido em uma perfeita humanidade, que no princípio estava contida na forma de uma criança. Ali dormia, onde se alimentava um boi com longos chifres! O Senhor Deus enviou o herdeiro de todas as coisas para que trabalhasse na oficina de um carpinteiro: martelando pregos, usando o serrote, empunhando o pincel. O enviou no meio de  escribas e fariseus, cujos olhos astutos O vigiavam e cujas línguas ferinas O açoitavam com calúnias vis. O enviou para a terra a fim de que passasse fome e sede, em meio a uma pobreza tão terrível que não tinha um lugar onde apoiar Sua cabeça. O enviou à terra para que O açoitassem e O coroassem de espinhos, e batessem nEle e O esbofeteassem. No fim, O entregou à morte: a morte de um criminoso, a morte do crucificado.


Contemplem essa cruz e vejam a angústia de Quem morre nela, e observem de que maneira o Pai O entregou e escondeu Seu rosto dEle, e pareceria que Ele não O reconhece! "Lamá Sabactâni" nos revela de que forma tão completa Deus entregou a Seu Filho para resgatar as almas dos pecadores. O entregou para que fosse feito maldição por nós; O entregou para que morresse  "o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus".


Queridos amigos, eu posso entender que vocês se separem de seus filhos para que se dirigiram à Índia a serviço de Sua Majestade, ou vão como missionários para Camarões ou Congo, a serviço de nosso Senhor Jesus. Posso entender muito bem que os entreguem apesar da expectativa diante de vocês de peste, pois se morrerem, teriam morrido com honra por uma gloriosa causa. No entanto, acaso poderiam pensar em uma separação que os conduzirá à morte de um criminoso, sobre um patíbulo, execrados pelas mesmas pessoas a quem buscavam abençoar, despojados das roupas de seu corpo e abandonados completamente em sua mente?
Não seria tudo isso demasiado? Acaso não exclamariam "Não posso separar-me de meu filho por causa de uns canalhas como estes? Por que haveria de morrer uma morte cruel, por seres tão abomináveis, que têm o descaramento de lavar suas mãos no sangue de seu melhor amigo"?


Recordem que nosso Senhor Jesus Cristo morreu uma morte que seus concidadãos consideravam como uma morte maldita. Para os romanos, era a morte de um escravo condenado, que continha todos os elementos de dor, desonra e escárnio, mesclados ao limite máximo. "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores."
Oh, que maravilhoso o alcance desse amor, que Jesus Cristo necessitasse morrer!


Todavia, não posso deixar este ponto até fazê-los ver o preciso momento em que Deus deu a Seu Filho, pois esse momento revela amor. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito". Porem, quando Ele fez isso? Em Seu propósito eterno, Ele fez isso desde antes da criação do mundo. As palavras utilizadas aqui, "deu o seu Filho unigênito", não podem referir-se exclusivamente à morte de Cristo, pois Cristo não estava morto no momento em que foram ditas as palavras deste terceiro capítulo de João. Nosso Senhor acabara de falar com Nicodemos, e essa conversa teve lugar no início de Seu ministério.


O fato é que Jesus sempre foi o dom de Deus. A promessa de Jesus foi feita no jardim do Éden, quase no mesmo momento em que Adão caiu. No ponto onde se realizou nossa ruína, um  Libertador foi providenciado cujo calcanhar deveria ser ferido, mas que destroçaria a cabeça da serpente debaixo do Seu pé.


Ao longo de todos os séculos, o Pai grandioso manteve Seu dom. Ele sempre viu a seu Unigênito como a esperança do homem, a herança da semente escolhida, que nEle possuiria todas as coisas. Em cada sacrifício Deus renovava Seu dom de graça, reafirmando que Ele havia providenciado o dom e que nunca retiraria Sua promessa. Todo o sistema de tipos nos termos da lei apontava que o cumprimento do tempo em que o Senhor verdadeiramente entregaria Seu Filho para que nascendo de uma mulher, carregasse as iniquidades de Seu povo e morresse no lugar deles.


Eu admiro grandemente a persistência deste amor. Porque muitos homens, num momento de generosa excitação, podem levar a cabo um ato supremo de benevolência, e, contudo, não poderiam suportar olhar este ato com toda calma, e considerá-lo ano após ano. O fogo lento da antecipação teria sido intolerável. Se o Senhor quisesse levar  aquele menino para longe de sua mãe, ela suportaria o golpe com certa paciência, ainda que fosse algo terrível para seu coração sensível; mas suponham que ela é informada de maneira fidedigna que no dia tal e tal, seu filho deve morrer, e ter que vê-lo assim, ano após ano, como um morto, acaso não traria nuvens muito escuras para cada hora de sua vida futura? Suponham também que ela sabe que o filho será pendurado no madeiro para que morra, como um condenado, isto não amargaria sua existência? Se ela pudesse escapar dessa calamidade, não o faria? Certamente que sim!


Contudo o Senhor Deus não poupou a Seu próprio Filho, senão que  voluntariamente o entregou por todos nós, entregando-O em Seu coração através dos anos. Nisto se demonstra o amor: um amor que muitas águas não podem apagar: amor eterno, inconcebível, infinito!


Então, como este dom se refere não somente à morte de nosso Senhor, mas sim a todas as eras que a precederam, d mesma forma também inclui todas as idades posteriores. Deus "amou o mundo de tal maneira, que deu" e ainda dá "o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna". O Senhor está entregando a Cristo no dia de hoje. Oh, que milhares de vocês aceitem com alegria o dom indizível! Alguém o rejeitará? Este dom bondoso, este dom perfeito, vocês dirão que não o querem receber? Oh, que vocês pudessem ter fé para apegar-se a Jesus, pois Ele será de vocês. Ele é o dom gratuito para os que O recebem gratuitamente: um Cristo com toda Sua abundância para encher a todos os pecadores vazios.


Se vocês simplesmente podem estender sua vazia, mas decidida mão, o Senhor lhes dará a Cristo neste mesmo momento. Nada é mais gratuito que um dom. Nada é mais digno de ter-se que um dom que nos vem diretamente da mão de Deus, tão cheio de poder efetivo como sempre o foi. A fonte é eterna, mas a corrente que flui dela é tão fresca como quando a fonte se abre pela primeira vez. Este dom não pode extinguir-se.


"Amado Cordeiro moribundo, Teu sangue precioso
Nunca perderá Seu poder
Até que toda a igreja de Deus resgatada
Seja salva para não mais pecar".


Vejam, então, qual é o amor de Deus, que deu o Seu Filho desde o princípio, e nunca revogou seu dom. Ele cumpre com a dádiva do Seu dom e ainda continua dando Seu querido Filho a todos aqueles que querem aceitá-lO. Das riquezas de Sua graça Ele deu, está dando, e dará o Senhor Jesus Cristo e todos os dons inestimáveis que nEle estão contidos, a todos os pecadores necessitados que queiram simplesmente confiar nEle.


Com base neste primeiro ponto os exorto a admirar o amor de Deus, devido à grandiosa transcendência de Seu dom para com o mundo, o dom de Seu unigênito Filho.


II. Em segundo lugar, observemos neste momento, e penso que posso dizer que o fazemos com igual admiração, o amor de Deus NO PLANO DE SALVAÇÃO. Ele o expressou assim: "para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna." O caminho da salvação é extremamente simples de entender, e extremamente fácil de praticar, tão logo o coração seja levado a querer e a obedecer. O método do pacto da graça dista tanto do método do pacto de obras como a luz dista das trevas. 


Não se diz que Deus deu Seu Filho a todos aqueles que guardam Sua lei, pois não podemos guardá-la e, portanto, o dom não estaria disponível para nenhum de nós. Nem tampouco se diz que Ele deu Seu Filho a todos aqueles que experimentam um desespero terrível e um remorso amargo, porque isso não é sentido por muitos que, no entanto formam o próprio povo do Senhor. Mas o grandioso Deus deu a Seu Filho para que "todo aquele que nele crê" não pereça. A fé, sem importar quão fraca seja, salva a alma. A confiança em Cristo é o caminho seguro da felicidade eterna.


Agora, que significa crer em Jesus? É simplesmente isto: que vocês se confiem a Ele. Se seus corações estão prontos, ainda que nunca antes tenham crido em Jesus, eu espero que vocês creiam nEle agora. Oh Espírito Santo, por Tua graça concede-nos isto.


O que significa crer em Jesus?


É, em primeiro lugar, que vocês concordem firmemente e de coração com esta verdade: que Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, para que se pusesse no lugar dos homens culpados, e que Deus derramou nEle todas as nossas iniquidades, para que Ele recebesse o castigo merecido por nossas transgressões, havendo sido feito maldição por nossa causa. Devemos crer de todo coração na Escritura que diz: "o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e por suas pisaduras fomos sarados."


Peço-lhes que concordem com a grandiosa doutrina da substituição, que é a medula do Evangelho. Oh, que o Espírito Santo os leve a entender de todo coração essa doutrina de imediato; pois sendo tão maravilhosa, é um fato que Deus estava reconciliando o mundo Consigo mesmo em Cristo, não lhes imputando seus pecados. Oh, desejo que vocês possam sentir a alegria de que isto é verdade, e possam estar agradecidos que um fato tão bendito seja revelado pelo próprio Deus. Creiam que o sacrifício substitutivo do Filho de Deus é certo; não coloquem objeções ao plano, não questionem sua validade ou sua eficácia, como muitas pessoas fazem. Ai, eles pisoteiam o grandioso sacrifício de Deus, e o consideram um triste invento.


Quanto a mim, posto que Deus ordenou salvar o homem por meio de um sacrifício substitutivo, alegremente estou de acordo com Seu método, e não vejo nenhuma necessidade de fazer algo mais, a não ser admirar esse plano e adorar o Seu Autor. Eu me regozijo e me alegro que se tenha pensado em um plano assim, pelo qual a justiça de Deus é reivindicada, e Sua misericórdia fica em liberdade de fazer tudo o que Ele deseja. O pecado é castigado na pessoa de Cristo, e a misericórdia é outorgada ao culpado. Em Cristo a misericórdia é sustentada pela justiça, e a justiça é satisfeita por um ato de misericórdia.


O sábio segundo o mundo diz coisas duras acerca deste plano da sabedoria infinita; porem quanto a mim, amo o simples nome da cruz, e o considero como o centro da sabedoria, o ponto central do amor, o coração da justiça. Este é o ponto central da fé: concordar de coração com o fato de que Jesus foi entregue para que sofresse em nosso lugar, estar de acordo com toda nossa alma com esta forma de salvação.


O ponto seguinte é que tu aceites isto para ti mesmo. No pecado de Adão, tu não pecaste pessoalmente, porque ainda não existias; contudo tu caíste; e não podes te queixar disso agora, pois voluntariamente endossaste e adotaste o pecado de Adão, ao cometer transgressões pessoais. Puseste tuas mãos, por assim dizer, sobre o pecado de Adão, e te apropriaste dele, ao cometer pecados pessoais e reais. Assim, pereceste pelo pecado de outro, que tu adotaste e endossaste; e da mesma maneira deves ser salvo pela justiça de outro, justiça esta que deves aceitar e apropriar-te dela. Jesus ofereceu uma expiação, e a expiação se converte em tua quando a aceitas e põe tua confiança nEle. Quero que agora digas:


"Minha fé agora põe sua mão
Em Tua amada cabeça,
Entretanto, como penitente me levanto,
E aqui confesso meu pecado."


Certamente este não é um assunto muito difícil. Dizer que Cristo que foi pendurado na cruz será meu Cristo, minha garantia, não necessita nenhum esforço intelectual nem caráter sólido; contudo é o ato que traz a salvação da alma.


Uma coisa mais é necessária: a confiança pessoal. Primeiro vem o estar de acordo com a verdade, e em seguida a aceitação dessa verdade aplicada a cada um; e logo um simples confiar-se inteiramente a Cristo, como um substituto. A essência da fé é a confiança, a dependência, a segurança. Joguem longe qualquer outra confiança de qualquer tipo, exceto a confiança Jesus. Não permitam nem a menor sombra de confiança em qualquer coisa que vocês possam fazer ou ser. Olhem unicamente para Ele, que Deus estabeleceu como a propiciação pelo pecado. Estou fazendo isto neste momento; vocês não farão o mesmo? Oh, que o doce Espírito de Deus os guie agora a confiar em Jesus!


Vejam então o amor de Deus ao colocar isto em termos tão simples e tão facéis. Oh, tu, pecador, que estás quebrantado, esmagado e sem esperança, tu não podes fazer nada, porem, por acaso não pode crer nisso que é verdade? Não pode suspirar; não pode gritar; não pode derreter seu coração de pedra; porem, não podes crer que Jesus morreu por ti, e que Ele pode mudar teu coração e converter-te em uma nova criatura? Se tu podes crer nisto, então confia que Jesus o fará, e serás salvo; pois quem crê nEle é justificado. "para que todo aquele que nele crê tenha vida eterna." És um homem salvo. Seus pecados te são perdoados. Podes ir-te em paz, e não pecar mais.


Eu admiro, em primeiro lugar, o amor de Deus no grandioso dom, e logo o grandioso plano por meio do qual esse dom está disponível para o homem culpado.


III. Em terceiro lugar, o amor de Deus brilha com um brilho transcendente, quer dizer, nas PESSOAS PARA QUAIS ESTE PLANO ESTÁ DISPONIVEL. Eles são descritos com estas palavras: "todo aquele que nele crê."  No texto há uma palavra que não tem limites: "Deus amou o mundo de tal maneira"; mas logo vem o limite descritivo, que lhes peço que analisem com cuidado: "que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não  pereça."


Deus não amou ao mundo de tal maneira que qualquer homem que não creia em Cristo seja salvo; nem tampouco deu Seu Filho para que qualquer homem que O rejeite seja salvo. Vejam como está expressado:"Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça." Aqui está o limite do amor: enquanto cada incrédulo está excluído, cada crente está incluído - "todo aquele que nele crê." Suponham que exista um homem que é culpado de todos os prazeres da carne até um grau infame, suponham que é tão detestável que somente o podem tratar como a um leproso moral, e deve ser encerrado em uma casa afastada pelo temor de que contamine aos que o escutam ou vejam; mas se este homem crê em Jesus Cristo, será limpo de imediato de sua corrupção, e não perecerá por causa de seu pecado.


E suponham que há outro homem que, ao perseguir motivos egoístas, oprimiu o pobre, roubou seus clientes, e inclusive foi tão longe a ponto de cometer um crime real do qual a lei tomou conhecimento, e contudo, se crê no Senhor Jesus Cristo será levado a restituir, e seus pecados lhe serão perdoados.


Uma vez escutei a história de um pregador que falava a um grupo de prisioneiros, condenados a morte por homicídio e por outros crimes. Eles eram uma manada tal de animais selvagens segundos aparências exteriores, que parecia um empreendimento sem sucesso pregar a eles; contudo, se eu fosse o capelão dessa companhia de homens degradados, não teria dúvidas em dizer-lhes que "Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna". Oh, homem, se crês em Jesus como o Cristo, não importa quão horríveis tenham sido teus pecados do passado, serão apagados; serás salvo do poder que exercem sobre ti os teus maus hábitos; e começarás de novo como um recém nascido, com uma vida nova e verdadeira, que Deus te dará. "Todo aquele que nele crê". Isso te inclui, amigo ancião, que estás a somente a alguns vacilantes passos da tumba. Oh, pecador de cabelos grisalhos, se tu crês nEle, não perecerás. O texto também te inclui a ti, meu jovem amigo, que escassamente entrou na adolescência: se crês nEle, não perecerás. Isto te inclui a ti, formosa jovem, e te dá esperança e alegria quando ainda és jovem. Isso nos inclui a todos nós, sempre e quando creiamos no Senhor Jesus Cristo.


Nem mesmo os diabos no inferno podem encontrar alguma razão para que o homem que crê em  Cristo se perca, pois está escrito: "e o que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora". Se acaso comentam: "Senhor, foi tão demorado vir a Ti," o Senhor responde: "Veio? Então não o lançarei fora por sua demora." Mas Senhor, ele caiu depois de fazer profissão de fé. "Ele veio  finalmente? Então não o lançarei fora devido a todas suas quedas." Mas, Senhor, ele é um blasfemo de boca muito suja. "Veio a Mim? Então não o lançarei fora apesar de todas suas blasfêmias." Mas, alguém poderá dizer: "Eu não creio na salvação deste homem malvado. Se comportou de maneira tão abominável que com toda justiça deve ser enviado ao inferno". Correto. Mas se ele se arrepende de seu pecado e crê no Senhor Jesus Cristo, não importa quem seja, não será enviado ao inferno. Seu caráter será mudado, de tal maneira que não perecerá jamais, mas  terá vida eterna.


Agora, observem, que esta expressão "todo aquele" tem um grande alcance; pois inclui a todos os diferentes graus de fé. "Todo aquele que nele crê". Pode ser que ele não esteja completamente seguro; pode ser que ele não esteja seguro de todo; mas se tem fé que seja verdadeira e seja como a fé de uma criança, por meio dessa fé será salvo. Ainda que sua fé seja tão diminuta que eu tenha que colocar meus óculos para vê-la, contudo Cristo a verá e a recompensará. Sua fé pode ser como o minúsculo grão de mostarda de tal forma que eu a procuro e a procuro de novo mas tenho dificuldade em discerni-la. Contudo, essa fé lhe traz vida eterna, e é em si mesma uma coisa viva. O Senhor pode ver dentro desse minúsculo grão de mostarda, uma árvore em cujos ramos as aves do céu farão seus ninhos —


"Minha fé é fraca, eu confesso,
Apenas confio em Tua Palavra;
Mas, por isso terás menos misericórdia?
Longe de Ti está isso Senhor!


Oh, Senhor Jesus, se eu não posso tomá-lo nos braços como fez Simeão, ao menos vou tocar a borda de tuas vestes como a pobre enferma o fez e de ti saiu virtude para salvar. Está escrito: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna". Eu estou incluído ali. Não posso pregar indefinidamente hoje; mas quisera pregar com poder. Oh, que esta verdade encharque vossas almas. Oh, vocês que se sentem culpados; e vocês que se sentem culpados porque não se sentem culpados; vocês que têm um coração quebrantado porque seu coração não pode  quebrantar-se; vocês que sentem que não podem sentir; é a todos vocês que eu quero pregar a salvação em Cristo pela fé. Vocês que gemem porque não podem gemer; mas sem importar quem sejam vocês, ainda estão dentro do alcance desta poderosa palavra, que "todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna".


Assim eu lhes mostrei o amor de Deus em três pontos: o dom divino, o método divino de salvação, e a divina eleição das pessoas a quem chega a salvação.


IV. Agora, em quarto lugar, se pode ver outro raio de amor divino na bênção negativa enunciada aqui, ou seja, NA LIBERAÇÃO que está implicada nas palavras, "todo aquele que nele crê, não pereça".


Eu entendo que essa palavra significa que todo aquele que crê no Senhor Jesus Cristo não perecerá, ainda que esteja a ponto de perecer. Seus pecados o levarão a perecer, mas não perecerá jamais. No princípio ele tem uma pequena esperança em Cristo, mas sua existência é fraca. Logo morrerá, não é mesmo? Não, sua fé não perecerá, pois esta promessa cobre isso: "todo aquele que nele crê, não pereça".


O penitente creu em Jesus e, portanto, começou a ser um cristão. "Oh," exclama um inimigo, "não se preocupem: logo virá a nós outra vez; logo voltará a ser tão descuidado como antes".
Escutem: "Todo aquele que nele crê, não pereça", e, portanto, ele não vai regressar a seu estado anterior. Isto demonstra a perseverança final dos santos; pois se o crente deixasse de ser crente, pereceria; e como não pode perecer, é claro que ele continuará sendo um crente. Se tu crês em Jesus, nunca deixarás de crer nEle, pois isso seria perecer. Se tu crês nEle, nunca te deleitarás em teus velhos pecados; pois isso seria perecer. Se tu crês nEle, nunca perderás a vida espiritual. Como podes perder isso que é eterno? Se fosses perdê-la, isso demonstraria que não era eterna, e tu perecerias; e assim esta palavra em ti não teria efeito.


Qualquer que crer em Cristo com seu coração, é um homem salvo, não somente no dia de hoje, mas por todos os dias em que viver, e no terrível dia da morte, e durante toda essa solene eternidade que se aproxima. "Todo aquele que nele crê, não pereça". Terá uma vida que não pode morrer, uma justificação que não pode ser discutida, uma aceitação que não cessará nunca.


O que é perecer? É perder toda esperança em Cristo, toda confiança em Deus, toda luz na vida, toda paz na morte, todo gozo, toda bênção, toda união com Deus. Isto nunca te passará a ti, se tu crês em Cristo. Se tu crês, serás disciplinado quando fazes o mal, pois todo filho de Deus está sujeito à disciplina; e, a que filho o Pai não disciplina? Se tu crês, pode ser que duvides e tenha receios sobre o teu estado, da mesma maneira que um homem a bordo de um barco pode ser sacudido de um lado a outro; mas tu subiste a um barco que jamais afundará.


Quem tem união com Cristo tem união com a perfeição, com a onipotência e com a glória. O crente é um membro de Cristo: por acaso Cristo perderá algum de seus membros? Como poderia Cristo ser perfeito se perdesse seu dedo mindinho? Podem os membros de Cristo se extraviarem ou se desprenderem? Impossível. Se tu tens fé em Cristo, então és participante da vida de Cristo, e tu não podes perecer.


Se algumas pessoas estivessem tentando afogar-me, não poderiam fazê-lo afundando meu pé na água, estando minha cabeça sobre o nível da água; e conquanto nossa Cabeça esteja por sobre o nível da água, lá em cima na luz do sol eterno, o menor dos membros do Seu corpo não pode ser destruído jamais. Quem crê em Jesus está unido a Ele, e deve viver porque Jesus vive.


Oh, que palavra é esta: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna; e nunca hão de perecer e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai que mas deu, é maior do que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai". Eu sinto que tenho um glorioso Evangelho para pregar a vocês quando leio que todo o que crê em Jesus não perecerá. Eu não daria nem um centavo por esse disparate, a salvação temporária que alguns proclamam, e faz a alma flutuar por um tempo, mas que logo a afunda na apostasia.


Eu não creio que o homem que uma vez está em Cristo possa viver em pecado e deleitar-se nele, e ainda assim ser salvo. Esse é um ensino abominável, que absolutamente não compartilho. Mas eu creio que o homem que está em Cristo não viverá em pecado, pois foi salvo do pecado; nem tampouco regressará a seus antigos pecados para viver neles, pois a graça de Deus continuará salvando-o de seus pecados. Uma mudança de tal magnitude é conseguida pela regeneração, o homem regenerado não pode viver em pecado, senão que ama a santificação e progride nela. O etíope pode trocar sua pele, e o leopardo suas manchas, mas somente a graça divina pode atuar na transformação; e quando a graça divina houver feito a mudança, o homem de pele negra será branco, e as manchas do leopardo nunca voltarão. Seria um milagre tão grandioso desfazer a obra de Deus como fazê-la; e destruir a nova criação necessitaria de tanto poder como para criá-la. Como somente Deus pode criar, assim somente Deus pode destruir; e Ele nunca destruirá a obra
de Suas próprias mãos. Acaso Deus poderia começar a construir e não terminar? Começaria Ele uma guerra  para terminá-la antes de alcançar a vitória? Que diria o diabo se Cristo começasse a  salvar uma alma e falhasse em Seu intento? Se houvesse almas no inferno que foram crentes em  Cristo, e ainda assim, pereceram. Isso jogaria uma mancha sobre o diadema de nosso exaltado Senhor. Não pode ser, não será assim. Deus amou o mundo de tal maneira, que todo aquele que creia em Seu amado Filho não perecerá: com esta certeza nos alegramos grandemente.


V. A última mostra de Seu amor é apresentada de maneira positiva: NA POSSE. Em certo momento terei que regressar ao mesmo terreno outra vez. Portanto, serei breve. Deus dá a todos aqueles que crêem em Cristo a vida eterna. No instante em que tu crês, treme em teu peito uma chispa vital do fogo celestial, que nunca se apagará. Nesse mesmo momento em que tu te lanças sobre Cristo, Cristo vem a ti na Palavra viva e incorruptível que vive e permanece para sempre. Ainda que somente uma gota da água celestial de vida caia em teu coração, lembra isto: são palavras pronunciadas por Quem não pode mentir: "A água que eu darei será nele uma fonte de água que salta para a vida eterna."


Quando eu recebi pela primeira vez a vida eterna, não tinha a menor idéia do tesouro que havia recebido. Eu sabia que tinha obtido algo muito extraordinário, mas não estava consciente de seu valor superlativo. Somente pus meus olhos em Cristo naquela pequena capela, e recebi a vida eterna. Olhei para Jesus e Ele me olhou; e nos tornamos um para sempre. Nesse momento minha alegria ultrapassou todas as fronteiras, da mesma maneira que minha pena anterior me tinha  conduzido a uma dor extrema. Havia encontrado o perfeito descanso em Cristo, estava satisfeito com Ele, e o meu coração estava cheio de gozo; mas eu não sabia que esta graça era a vida eterna até que comecei a ler nas Escrituras, e a conhecer mais plenamente o valor da jóia que Deus tinha me dado. No domingo seguinte regressei à mesma capela, como era natural que eu o fizesse. Mas depois desse outro domingo nunca voltei, por esta razão: durante minha primeira semana, a nova vida que havia em mim havia sido forçada a lutar por sua existência, e um conflito com a velha natureza estava tendo lugar. Isto era, eu o sabia, um sinal especial da graça que habitava agora em minha alma; mas nessa mesma capela escutei um sermão que se baseava em "Miserável de mim! quem me livrará do corpo dessa morte?" E o pregador declarou que Paulo não era um cristão quando teve essa experiência. Sendo um bebê como era, eu sabia que essa era uma afirmação  totalmente absurda. Que outra coisa que não a graça divina pode produzir esses suspiros e essas súplicas pedindo a libertação do pecado que habita em nós? Senti que a pessoa que podia pregar tais bobagens conhecia muito pouco sobre a vida do verdadeiro crente. Eu falei comigo mesmo "Como! acaso não estou vivo por causa do conflito que sinto dentro de mim? Nunca experimentei esta luta quando eu era um incrédulo. Quando não era cristão nunca gemi para ser libertado do pecado.


Este conflito é uma das evidências mais seguras do meu novo nascimento, e, no entanto, este homem não pode ver assim. Pode ser um excelente exortador para pecadores, mas não tem alimento para os crentes".  Resolvi não voltar ali para alimentar-me, pois não havia nenhum alimento nesse  lugar. Eu me dei conta que a luta se torna cada vez mais intensa; cada vitória sobre o pecado revela outro exército de tendências ao mal, e nunca posso embainhar minha espada, nem deixar de orar nem de vigiar.


Não posso avançar nem um centímetro no caminho sem orar por isso, nem manter o centímetro ganho sem estar vigilante e manter-me firme. Unicamente a graça pode preservar-me e aperfeiçoar-me. A velha natureza mataria a nova natureza se pudesse; e até este momento a única razão porque minha nova natureza não está morta é esta: porque não pode morrer. Se pudesse morrer, teria sido assassinada há muito tempo; mas Jesus disse: "Eu lhes dou a vida eterna"; "Quem crê em mim, tem vida eterna" e, portanto, o crente não pode morrer. A única religião que te salvará é uma que tu não podes abandonar, porque te possuiu, e jamais te abandonará. Se tu manténs uma doutrina a qual podes renunciar, renuncia a ela; mas se as doutrinas estão gravadas com fogo em ti enquanto vives, deves mantê-las, de tal maneira que se fosses queimado, cada cinza tua levaria essa mesma verdade, porque estás impregnado dessa verdade. Então encontraste a doutrina correta.


Não és um homem salvo a menos que Cristo tenha te salvado para sempre. Mas isso que te agarrou de tal maneira que sua pressão é sentida no centro de teu ser é o poder de Deus. Ter a Cristo vivendo em ti, e a verdade incrustada na tua natureza, oh, senhores, esta é a coisa que salva a alma, nada mais e nada menos. Está escrito no texto: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna".


O que é esta vida senão uma vida que durará por setenta anos; uma vida que durará, se vives, mais de cem anos; uma vida que ainda florescerá quando descanses na boca da tumba; uma vida que permanecerá quando tenhas abandonado teu corpo, e esteja apodrecendo no túmulo, uma vida que continuará quando teu corpo seja levantado novamente, e estejas ante o trono do juízo de Cristo; uma vida que brilhará mais que essas estrelas e que aquele sol e a lua; uma vida que será da mesma duração que a vida do Pai Eterno?


Enquanto haja um Deus, o crente não somente existirá, senão que viverá. Enquanto exista um céu, tu o gozarás; enquanto Cristo exista, viverás em Seu amor; enquanto permaneça a eternidade, tu continuarás enchendo-a com deleite. Deus os abençoe e os ajude a crer em Jesus.
Amém


Traduzido do espanhol, do sermão "Amor Sin Medida", traduzido por Allan Román, com autorização deste para português pelo Projeto
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público
Original em inglês Sermão nº 1850—Volume 31
IMMEASURABLE LOVE


Tradução; Rosangela Cruz
Revisão: Marcus Paolo Diel Rios
Armando Marcos Pinto

(PS: Esse sermão já existe em português, foi publicado pela editora PES, com o nome de "Amor Imensurável". em tese, não deveria ter sido traduzido, poiis já existe em português: mas eu ouvi ele em MP3, em espanhol, e por um erro de não conferir a lista de sermões do Projeto, acabei pedindo que a Rosangela traduzisse. Não irei jogar fora todo esse trabalho de tradução e revisão, e tambem esse é um sermão muito bom! caso queria adquirir ele na Livraria Erdos )